
A Leucovorina e o Autismo: Avanço Científico Promissor ou Esperança Prematura?
Entenda o que há de verdade por trás dos relatos virais sobre um “remédio milagroso” que teria “curado” crianças autistas não verbais
Nos últimos meses, vídeos emocionantes têm circulado nas redes sociais com títulos como “Criança autista não verbal fala pela primeira vez após tomar remédio!” ou “Descoberta a cura para o autismo?”. Muitos desses conteúdos destacam um medicamento chamado leucovorina — um composto derivado da vitamina B9 — e afirmam que ele estaria “devolvendo a voz” a crianças com autismo severo. Mas o que há de fato científico por trás dessa onda de esperança?
🔬 O que é a leucovorina?
A leucovorina (também conhecida como folinato de cálcio) é um medicamento genérico, seguro e de baixo custo, aprovado pela FDA (EUA) desde 1988 — originalmente para reduzir os efeitos colaterais da quimioterapia. Nos últimos anos, porém, vem sendo estudada em um novo contexto: transtornos do neurodesenvolvimento, especialmente o autismo.
A hipótese central é que uma parcela significativa de crianças com autismo pode ter uma condição chamada deficiência cerebral de folato — ou seja, falta de vitamina B9 no cérebro, mesmo que os níveis no sangue estejam normais.
Pesquisadores descobriram que até 70% das crianças com autismo apresentam anticorpos que bloqueiam o transporte do folato (forma ativa da vitamina B9) através da barreira hematoencefálica. Sem esse nutriente essencial, o cérebro pode ter dificuldades no desenvolvimento da linguagem, comunicação e funções cognitivas.
🧪 Estudos científicos: o que já se sabe?
O neurologista pediátrico Dr. Richard Frye, do Arkansas Children’s Hospital, é um dos principais pesquisadores nessa área. Em um estudo publicado em 2018 com 48 crianças autistas com deficiência de folato cerebral:
- 67% das crianças tratadas com leucovorina (5–10 mg duas vezes ao dia) mostraram melhoras significativas na linguagem expressiva e receptiva após 12 semanas.
- Os ganhos incluíram aumento no vocabulário, capacidade de formar frases e melhor interação social.
- Nenhum efeito colateral grave foi relatado.
Esses resultados foram replicados em outros estudos menores, sempre com foco em crianças com diagnóstico confirmado de deficiência de folato cerebral — não em todos os casos de autismo.
Importante: A leucovorina não é uma “cura para o autismo”, mas um tratamento potencial para um subgrupo específico de pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista) que apresentam essa condição bioquímica rara.
💬 Relatos emocionantes: Nathaniel e outras histórias reais
Um dos casos mais divulgados é o de Nathaniel Schuman, um menino diagnosticado com autismo não verbal aos 3 anos. Após anos de terapias sem progresso na fala, sua mãe, Kathlyn, o inscreveu em um ensaio clínico com leucovorina em 2021.
Em poucos meses, Nathaniel, que até então só murmurava palavras isoladas, começou a falar frases completas — e revelou que entendia tudo há anos, mas não conseguia se expressar.
“Ele tinha uma longa lista de queixas: jantares decepcionantes, sobremesas negadas, rancores contra a irmã… Estava claro que ele estava esperando há muito tempo para ser ouvido.”
— Kathlyn Schuman, mãe de Nathaniel
Histórias como essa, compartilhadas em vídeos no TikTok, YouTube e Instagram, geraram uma onda de esperança — e também de desinformação.
⚠️ Cuidado com a desinformação
Apesar do entusiasmo legítimo, é crucial separar ciência de sensacionalismo:
- Não há “cura para o autismo”: o TEA é uma condição neurodesenvolvimental complexa, com causas genéticas, ambientais e biológicas múltiplas. Não existe um único “remédio milagroso”.
- A leucovorina só funciona em casos específicos: ela não é eficaz para todas as crianças com autismo, apenas para aquelas com deficiência cerebral de folato comprovada por exames (como o teste de anticorpos anti-receptor de folato).
- Não é um tratamento aprovado oficialmente para autismo: embora usada off-label por alguns médicos, a FDA ainda não aprovou a leucovorina como tratamento para TEA. Estudos maiores e mais longos estão em andamento.
- Relatos anedóticos ≠ evidência científica: vídeos emocionantes são poderosos, mas não substituem ensaios clínicos controlados.
Além disso, o vídeo menciona Donald Trump e Robert F. Kennedy Jr. como impulsionadores dessa “descoberta”. Embora Kennedy Jr. (atual secretário de Saúde dos EUA em 2025) tenha apoiado pesquisas sobre saúde infantil, não há evidência de que Trump tenha anunciado oficialmente a leucovorina como “cura” — e a ligação com o Tylenol (paracetamol) durante a gravidez, embora estudada em pesquisas epidemiológicas, ainda não é conclusiva.
✅ O que os pais devem fazer?
Se você é pai, mãe ou cuidador de uma criança com autismo:
- Não inicie nenhum medicamento sem orientação médica.
- Converse com um neurologista ou geneticista sobre a possibilidade de testar a deficiência de folato cerebral.
- Desconfie de promessas de “cura” ou “resultados em 48 horas” — o desenvolvimento neurológico leva tempo.
- Valorize as terapias comprovadas: ABA, terapia ocupacional, fonoaudiologia e apoio educacional continuam sendo pilares do suporte ao autismo.
🌟 Conclusão: esperança com responsabilidade
A pesquisa sobre leucovorina representa um avanço real e promissor na compreensão de subtipos biológicos do autismo. Para famílias de crianças não verbais, saber que algumas podem ter uma causa tratável é uma luz poderosa.
Mas ciência séria exige rigor, paciência e cautela. Celebrar os avanços não significa ignorar os limites. A verdadeira inclusão começa com respeito à diversidade neurológica — e com informação confiável.
“Ele não estava ausente. Estava apenas esperando as palavras certas para chegar.”
— Kathlyn Schuman
E talvez, um dia, a ciência ajude mais crianças a encontrarem essas palavras — não como “cura”, mas como libertação de uma voz que sempre esteve lá.
Fontes confiáveis:
- Frye, R. E. et al. (2018). Journal of Child Neurology
- National Institutes of Health (NIH) – Estudos sobre folato e autismo
- Autism Speaks – Posicionamento sobre tratamentos biomédicos
- FDA – Informações sobre leucovorina
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