
A educação inclusiva é um direito garantido por lei, mas sua implementação na prática ainda enfrenta inúmeros obstáculos. No episódio PodPeople #254, a pedagoga, psicopedagoga e formadora de professores Veruska de Paula compartilha sua trajetória de mais de 30 anos na sala de aula e mais de 20 anos no Atendimento Educacional Especializado (AEE). Com sensibilidade, ciência e experiência, ela revela os desafios reais, soluções práticas e mitos comuns sobre a inclusão escolar.
Se você é professor, gestor, pai, mãe ou profissional da educação, este artigo vai te ajudar a entender como tornar a inclusão real, eficaz e humanizada.
O Que É Educação Inclusiva de Verdade?
Muitos acreditam que inclusão é apenas matricular alunos com deficiência na escola regular. Mas, segundo Veruska, inclusão vai muito além da matrícula:
“Incluir não é só sonhar ou ter amor. É prática, é estudo, é planejamento. A gente não trabalha com improviso.”
A verdadeira inclusão exige:
- Adaptações curriculares reais;
- Planejamento individualizado;
- Formação contínua dos professores;
- Parceria entre escola e família;
- Uso de práticas baseadas em evidências.
Sem isso, o aluno pode estar fisicamente na sala, mas emocional e cognitivamente excluído.
Os Pilares da Inclusão Escolar
Atendimento Educacional Especializado (AEE)
O AEE é um serviço da educação especial que complementa a escolarização do aluno. Ele ocorre em sala de recursos multifuncionais, geralmente no contraturno, e atende alunos com:
- Transtorno do Espectro Autista (TEA);
- Deficiências intelectuais, físicas ou sensoriais;
- Altas habilidades/superdotação;
- Transtornos como TDAH, dislexia e discalculia.
Importante: não é necessário ter laudo médico para ter acesso ao AEE. O que conta é a necessidade funcional do aluno.
“Se o professor percebe que o aluno não acompanha, ele tem direito ao AEE — mesmo sem diagnóstico.”
Plano de Ensino Individualizado (PEI) ou Plano de Desenvolvimento Individual (PDI)
O PEI/PDI é o documento que orienta todo o trabalho pedagógico com o aluno com deficiência. Ele deve ser:
- Individualizado: adaptado às necessidades reais do aluno;
- Colaborativo: construído com professores, família e equipe multidisciplinar;
- Dinâmico: revisado a cada 6 meses.
Infelizmente, muitas escolas ainda copiam e colam modelos prontos, o que anula o propósito do documento.
“Se o PEI não for feito de forma personalizada, ele não serve para nada. Cada aluno é único — principalmente no espectro autista.”
Práticas Baseadas em Evidências
Veruska destaca que métodos tradicionais de ensino nem sempre funcionam para alunos neurodivergentes. Um exemplo claro é a alfabetização:
- O método fônico, baseado em evidências científicas, é mais eficaz para alunos com dislexia, TEA e outras dificuldades de aprendizagem;
- Já o método silábico (“b com a, ba”) pode confundir crianças que têm dificuldade com a decodificação.
“Quando comecei a usar o método fônico com meus alunos autistas, vi resultados incríveis — até mesmo com aqueles que tinham deficiência intelectual.”
A neurociência já comprovou: o cérebro aprende de forma diferente quando exposto a estratégias alinhadas com suas necessidades.
O Papel da Família e da Escola na Inclusão
Muitos conflitos na inclusão nascem da falta de empatia mútua. Professores se sentem sobrecarregados; famílias, desamparadas.
Veruska sugere uma mudança de postura:
- Família: em vez de cobrar, pergunte: “Como posso ajudar?”;
- Professores: em vez de julgar, acolha: “Eu entendo que está difícil.”
“Quando você trata a mãe com amor, ela vira sua aliada. E aí, sim, a inclusão acontece.”
Os Maiores Desafios da Inclusão Hoje
1. Falta de Formação dos Professores
Muitos docentes não receberam formação adequada para lidar com alunos neurodivergentes. Isso gera angústia, frustração e burnout.
2. Sobrecarga na Sala de Aula
Professores com turmas de 30+ alunos e múltiplas necessidades especiais não têm suporte para atender a todos com qualidade.
3. Ausência de Rede de Apoio
Faltam psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e outros profissionais nas escolas — especialmente na rede pública.
4. Profissionais de Apoio Mal Treinados
Muitos acompanhantes não têm formação específica, o que aumenta o sofrimento do aluno e do professor.
Mitos Comuns Sobre Educação Inclusiva
❌ Mito 1: “Aluno com deficiência não aprende.”
Verdade: todos aprendem — cada um no seu tempo e com suas estratégias.
❌ Mito 2: “Inclusão é responsabilidade só do professor de AEE.”
Verdade: é um trabalho coletivo — do porteiro ao diretor, todos precisam estar alinhados.
❌ Mito 3: “Só quem tem laudo tem direito à inclusão.”
Verdade: o que importa é a necessidade pedagógica, não o diagnóstico.
❌ Mito 4: “Inclusão prejudica os outros alunos.”
Verdade: uma escola inclusiva ensina empatia, respeito e cooperação — benefícios para todos.
Como Incentivar a Autonomia Sem Deixar o Aluno Desprotegido?
A chave é: fazer com o aluno, não por ele.
- Deixe que ele realize tudo o que for capaz;
- Auxilie apenas nas tarefas que ainda não domina;
- Celebre cada conquista, por menor que pareça.
“O melhor profissional de apoio é aquele que, no final do ano, o aluno quase não precisa mais dele.”
Perguntas Frequentes (FAQ)
1. O que é AEE e como funciona?
O Atendimento Educacional Especializado (AEE) é um serviço complementar à escolarização, oferecido em sala de recursos multifuncionais, no contraturno. Ele atende alunos com deficiência, TEA, altas habilidades e outros transtornos, com atividades adaptadas às suas necessidades.
2. Preciso de laudo médico para ter acesso ao AEE?
Não. O acesso ao AEE é baseado na necessidade funcional do aluno, não no diagnóstico. Se o professor identifica que o aluno não acompanha, ele já tem direito ao atendimento.
3. Qual a diferença entre PEI e PDI?
Nenhuma. São nomes diferentes para o mesmo documento: Plano de Ensino Individualizado (PEI) ou Plano de Desenvolvimento Individual (PDI). A variação depende do estado ou rede de ensino.
4. Quem elabora o PEI?
O PEI deve ser construído de forma colaborativa, com participação do professor regente, professor de AEE, família e, quando possível, o próprio aluno. O professor regente geralmente coordena a escrita.
5. O que fazer se a escola se recusar a adaptar o currículo?
Primeiro, registre por escrito a solicitação em reunião com a direção. Se a recusa persistir, é possível buscar apoio no Conselho Tutelar, Ministério Público ou até judicializar o caso. Avalie também se vale a pena manter o aluno em uma escola que não acredita na inclusão.
6. Como lidar com crises de alunos autistas na sala de aula?
Não tente distinguir “birra” de “crise”. O mais importante é acolher e reduzir estímulos:
- Leve o aluno a um local calmo;
- Evite segurá-lo sem treinamento;
- Use um protocolo de conduta feito com os pais (ex: “o que acalma seu filho?”).
7. Onde encontrar formação para professores em inclusão?
Veruska de Paula oferece cursos online práticos sobre PEI, adaptação de atividades, alfabetização inclusiva e mais. Acesse seu Instagram: @veruscadepaulasouza .
Conclusão: Inclusão Requer Coragem, Conhecimento e Compromisso
A educação inclusiva na prática não é fácil, mas é possível e necessária. Requer formação, empatia, planejamento e, acima de tudo, a crença de que todo aluno pode aprender — basta oferecer as ferramentas certas.
Como Veruska encerra com sabedoria:
“Eu decidi me importar. E você?
Incluir não é só desejar — é agir com conhecimento, planejamento e coragem.”